Diario da feira | A verdadeira noticia

Em entrevista, Renata Lo Prete afirma: 'Minha tendência natural é pensar em notícia, não em rugas'


Publicada em 28/03/2024 ás 19:10:32
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Renata Lo Prete remonta sua interessante trajetória com brilho nos olhos e topa mostrar um vislumbre de quem é quando as câmeras do Jor

Quando Renata Lo Prete é reconhecida na rua geralmente ouve duas frases. "Te assisto saindo do trabalho” ou "Te vejo quando chego tarde dos estudos". O retorno do público, composto pelos “batalhadores do Brasil”, como ela descreve, é sempre gratificante, mas acompanhado de grande responsabilidade. "A informação precisa ser de muita qualidade. Não só correta, mas didática", diz a âncora do Jornal da Globo ao receber Marie Claire em seu apartamento-refúgio em Perdizes, Zona Oeste da capital paulista.

O zelo com o público é inquestionável em seu trabalho, e tão perceptível nela quanto a personalidade questionadora e carismática, que caiu nas graças da audiência e, aqui, aparece com ainda mais tinta. A verdade é que, longe das câmeras, ela ama rir de si mesma. Como quando ofereceu à reportagem um bolo que estaria ótimo – “porque não fui eu quem fiz” – ou quando mostrou que está há meses tentando montar um quebra-cabeça de duas mil peças do quadro Café, de Cândido Portinari – “Não tenho a menor ideia do que estou montando. É um negócio que dá uma lição de humildade."

“Quer saber? Não ligo para minha aparência. Minha tendência natural é pensar em notícia, não em rugas”, diz quando perguntamos como vê a chegada aos 60 anos. Mas esse amor pelo jornalismo, que parece intrínseco a ela, desabrochou com o tempo. A fagulha veio do pai, Salvador Lo Prete, que desde cedo acordava, ela e os três irmãos mais novos, todos homens, com as notícias da rádio. Depois de estudar por 12 anos em um colégio de freiras em Santana, bairro da Zona Norte onde cresceu, ela se formou em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) em 1984.

Em 1985, em plena redemocratização do Brasil após 20 anos de ditadura militar, engatou uma carreira frutífera de 27 anos na Folha de S.Paulo. No jornal, foi de correspondente em Nova York a editora do caderno de política. Ali, ainda viveu grandes turning points de carreira e vida pessoal – seja ao conhecer Melchiades Filho, seu companheiro há 30 anos, seja por ser onde fez, em 2005, as entrevistas em que o ex-deputado federal Roberto Jefferson revela o escândalo do Mensalão. Um furo que mudou a trajetória política do país e rendeu a ela o Prêmio Esso de Jornalismo.

Em 2012, se reinventou na televisão ao entrar para o time de jornalismo da Globo, onde expandiu sua cobertura para um público ainda maior. A sede por novos projetos é tão grande que, em 2019, chegou a um período em que, ao mesmo tempo, fazia programas da GloboNews, apresentava o Jornal da Globo e lançava O Assunto, o podcast jornalístico com mais downloads da América Latina. Agora, se prepara para uma fase ainda mais tecnológica à frente do Jornal da Globo. A partir de março, o telejornal tem novo cenário, nova trilha de abertura e identidade visual repaginada. Entre as novidades tecnológicas, estão a realidade aumentada e a inteligência artificial, que prometem uma experiência mais imersiva ao telespectador.

Na entrevista a seguir, Lo Prete avalia seu passado, presente e futuro no jornalismo com bom humor e olho no olho. Também se abre sobre sua vida pessoal, com a qual é bem reservada, além de falar do casamento com Melchi – como carinhosamente chama o marido – , se derrete de amores pelos filhos, Joaquim e Antonia Lo Prete, de 27 e 21 anos, e entrega suas mais preciosas memórias de infância.

MC: Estamos vivendo uma era de crise de credibilidade no jornalismo, muito pelo grande impacto das fake news, mas também pelo avanço da Inteligência Artificial. Como enxerga esse cenário?

RENATA LO PRETE: É uma revolução e uma guerra. Penso que nossa situação é única porque, para várias profissões, a IA representa, simultaneamente, uma série de possibilidades que ainda devem ser estudadas, mas também uma ameaça existencial. Para nós, jornalistas, tem um terceiro fator: nós vamos ter que cobrir a revolução. Os manuais de redação diziam que, para cobrir os assuntos, você precisa ter um pouco de distanciamento, não pode estar diretamente implicado. Só que estamos diretamente implicados.

MC: Quais são os riscos disso?

RLP: É igual ao que já estamos familiarizados com as fake news, mas enormemente potencializado. Perguntei para o meu filho quem sobreviveria à IA e ele me respondeu: “Quem souber fazer as perguntas. Quem só souber responder, vai dançar.” Parei para pensar na essência do meu trabalho, porque vivemos de fazer perguntas. Mas enfim, não cabe falar em saída para algo que está se apresentando como uma marcha inexorável dos acontecimentos. O caminho é lutarmos para conhecer cada vez melhor do que a IA se trata. Lutar por uma curadoria cada vez mais aguda dos dados. Temos que ter uma atitude permanente de questionamento, porque não existe uma escolha a ser feita entre haver ou não haver esse recurso. Ele já está presente. E, ao que tudo indica, vai se mostrar em ritmo de avalanche nos próximos capítulos da história – e nesta próxima eleição, por exemplo.

Sobre a IA: é uma revolução e uma guerra. Representa, simultaneamente, uma série de possibilidades que ainda devem ser estudadas, mas também uma ameaça existencial. Para nós, jornalistas, tem um terceiro fator: nós vamos ter que cobrir a revolução.

— Renata Lo Prete

MC: Quando na vida se deu conta de que queria ser jornalista?

RLP: A profissão foi crescendo dentro de mim. Nunca fui aquela que ia para a escola sabendo que, um dia, seria jornalista. Por causa do meu pai, li a imprensa desde cedo. Mas para mim era muito mais sobre ler o [jornalista] Paulo Francis n’O Pasquim do que querer fazer o que ele fazia. O que tive a vida toda foi um gosto por atividades e conhecimentos que, de alguma forma, eram úteis no trabalho jornalístico.

MC: E quando percebeu que a redação era o lugar ao qual pertencia?

RLP: Fui me apaixonando na Folha. Entrei no jornal em uma época em que estavam realmente fazendo uma pequena revolução na maneira de fazer jornais. Tinha muita novidade, um time muito bom, trabalhava com muita gente que admirava. Tinha um certo modo de guerra: você sentia que estava na trincheira com um grupo de pessoas movidas pelo mesmo propósito, e que pertencia naquele batalhão. Também tive isso na GloboNews, na reformulação do Jornal das Dez, quando fui fazer O Assunto e na preparação do novo projeto do Jornal da Globo.

MC: No ano que vem, sua carreira vai completar quatro décadas. Tem algo que te aconteceu lá no início que impacta sua visão como âncora no JG hoje?

RLP: Às vezes, lembro de situações que se repetem, mas que enxergo com a lente do aprendizado. Na cobertura do atual conflito entre Israel e Hamas, lembrei que, na [editoria] Internacional da Folha, convivi de perto com pessoas capazes e sabidas. Havia quem defendia um ponto de vista mais pró-Israel e, outros, mais pró-Palestina. Eu, com 20 anos, via essas pessoas duelarem na minha frente sobre coisas que mal podia entender. Fui compreendendo que, talvez, esse conflito tão ancestral na história seja o mais divisivo de todos, e que já despertava uma polarização acirrada em uma época que nem falávamos nisso. Lembro de muitos colegas de trabalho impressionados com o grau de dificuldade de um lado ouvir o outro. Na cobertura de agora, me pego acessando esses sentimentos e experiências que vivi lá atrás.

MC: Quais você considera os maiores destaques da sua carreira?

RLP: O período mais importante para mim na Folha foi quando fiz o Painel, porque me deu noção de hierarquia de notícia, mas principalmente de relacionamento com a fonte. Ao mesmo tempo, você precisa cultivar e ter distanciamento crítico. E foi lá que fiz as entrevistas do Mensalão, que acredito muito que consegui fazer por ter exercitado esse trabalho de cultivar fonte, prestar atenção no que ela diz e no que existe em uma história, mas não está sendo mostrado.

MC: Por falar em Mensalão, como foram os bastidores?

RLP: Como faz muito tempo que aconteceu, gosto de lembrar que o Mensalão começou como um caso de corrupção miúda nos Correios. O time do Painel conversava muito sobre o que estava faltando naquela história. Nos demos conta de que tudo estava acontecendo por uma imensa disputa por espaço dentro dos Correios – antes, vários partidos brigavam por diretorias lá dentro. Foi por esse exercício que chegamos à conclusão de que o Roberto Jefferson era um personagem importante. Ele já era minha fonte, então não precisei me apresentar. E daí saem as entrevistas do Mensalão, que foram muito desafiadoras e me marcaram muito.

MC: O que é mais apaixonante para você na profissão?

RLP: Sou encantada com a ideia de fazer um trabalho bem feito. Tenho uma coisa de tiete quando, em qualquer campo de conhecimento (pode ser atleta, analista de pesquisa, médico), a pessoa demonstra excelência, gosto quando a fonte domina o assunto e é capaz de fazer daquilo não um negócio egoísta, que fica só com ela, mas transmitir para os outros. Você é carregado pela paixão dela de fazer o que faz. Tive esse encantamento desde o começo.

MC: Uma pergunta “séríssima”: quantas vezes você e Tadeu Schmidt brigaram por causa dos atrasos do BBB?

RLP: Nunca! [Risos] Quem brigaria com o Tadeu? Ele é um lorde. Quando fui no programa do Luciano Huck, ele não só fez um depoimento super bonitinho para mim como mandou me entregar um tênis, depois daquela repercussão toda sobre quando fui ao ar de tênis. A gente brinca, mas o BBB é muito importante para o JG porque coloca em contato conosco um público que não é naturalmente o do jornal. E o que pode ter de mais legal do que falar para mais pessoas?

MC: Há pouco você nos ofereceu um bolo, e disse que estava bom porque não foi você quem fez. Você não cozinha?

RLP: Não. Nada que faço sai bom. O cozinheiro aqui em casa é meu marido e a pessoa que trabalha com a gente. Meus filhos cozinham bem, puxaram o pai. Acho que não saber foi obra da minha mãe, Bruna Salmaso, que também não gostava e nunca fez esforço para me ensinar. Fazia porque tinha que alimentar todo mundo dentro de casa. Hoje, acho que ela não queria aquela escravidão para mim. Queria que eu fizesse outras coisas.

MC: O que seus pais faziam?

RLP: Minha mãe foi secretária em escritórios de advocacia. Ela morreu em 2019, duas semanas antes de eu estrear O Assunto. Meu pai é formado em assistência social, mas trabalhou como funcionário público no Tribunal de Justiça de São Paulo a vida inteira. Faz 90 anos em maio.

MC: Como foi sua infância?

RLP: Éramos quatro crianças: tenho três irmãos homens, sou a mais velha. Hoje, vejo que meus pais estavam muito à frente do tempo, porque tiveram o valor da igualdade de gênero sem elaborar isso. Todo mundo tinha as mesmas obrigações e arrumava a casa. Para minhas amigas, do colégio de freiras, não era assim. Elas é que faziam o serviço da casa. Foram educadas para querer pouco e almejar determinadas coisas, não outras. Isso nunca teve na minha casa. É um crédito que dou para minha mãe, mas também para o meu pai. Ele jamais me tratou como “princesa” ou tentou me desestimular de fazer algo porque sou mulher. Pelo contrário, foi ele que me ensinou a gostar de notícia.

MC: Você foi correspondente em Nova York e já cobriu grandes acontecimentos políticos em Brasília. O que te segurou em São Paulo?

RLP: Fui criando uma vida aqui. Quando Melchi e eu éramos da Folha, teve uma hora que eu poderia ter decidido morar em Brasília. Ele foi convidado para ser diretor em Brasília, era uma baita oportunidade. As crianças eram pequenas. Todo mundo pensou que eu ia junto, até me deram aval. Mas optamos por não fazer isso. Primeiro porque eu sabia qual era a vibe de Brasília – lá, se trabalha do café da manhã até depois do jantar. E eu jamais poderia levar para Brasília a rede de apoio que eu tinha aqui.

MC: Por quanto tempo durou essa fase de relacionamento à distância?

RLP: Seis anos! São aquelas coisas que a gente faz e, quando acaba, você não sabe como fez.

MC: Estão juntos há 30 anos. Existe receita para um casamento tão longo?

RLP: Honestamente? Não sei. Uma vez vi alguém dizer que casamentos longos são arranjos misteriosos para quem está de fora. Olha, talvez também sejam para quem está dentro. Mas penso que não tem nenhuma norma de que tem que ser assim. Hoje somos a exceção, não a regra.

MC: Já pensou o que ainda faz quererem permanecer juntos?

RLP: Somos diferentes de temperamento. O negócio dele é a objetividade, o planejamento. Também é de pouca paciência. Ele me acusa de ter lide [os destaques de um acontecimento que abrem uma notícia] só na profissão, e não na vida. Não vou te dizer que sou atrapalhada porque seria uma falsa piada comigo, mas sou muito mais “vou vivendo” do que ele. Por mais que sejamos diferentes, temos muito interesse em comum e gostamos da companhia um do outro. Talvez isso ajude a explicar.

MC: Você foi mãe aos 33 e depois aos 39. A maternidade sempre esteve nos seus planos?

RLP: Em um lugar muito profundo dentro de mim, sim. Desde criança, mesmo sem eu saber. Engraçado que praticamente não brinquei de boneca. Eu as ganhava e elas ficavam lindinhas numa prateleira no meu quarto, intocadas.

MC: Se considera uma feminista?

RLP: Nunca parei para pensar se eu tico os pré-requisitos. Mas se ser feminista é viver pelos padrões da igualdade, reivindicá-la e estar pronta para levantar a mão onde quer que a discriminação se apresente, então acho que sou. Podem me dar a carteirinha do clube, sem problema. Não vou me sentir usurpando nada.

MC: Qual é sua posição sobre a descriminalização do aborto no Brasil?

RLP: Sou a favor do direito de escolha das mulheres, de que tenham atendimento adequado, no momento adequado, que não sejam privadas disso e ninguém tenha que se colocar em risco por causa dessa questão.

MC: Você completou 60 anos em 2023. Como encara a maturidade e as mudanças que vêm junto dela?

RLP: Confesso que nunca pensei muito na minha aparência porque minha tendência natural é pensar em notícias, não em rugas. Tem uma pergunta recorrente que me intriga muito, que é "Como você faz para envelhecer BEM?". Em que momento da vida as pessoas acham que está na hora de perguntar isso? No dia em que começarem a perguntar isso para homens de idade avançada e a gente se canse de ouvir as mesmas respostas, talvez esse debate possa acontecer com mais substância. Procuro me manter interessada no mundo. Acho que isso faz diferença. Também busco por escolhas que me mantenham, como diz a música de Marisa Monte, feliz, alegre e forte; com mobilidade e lucidez para viver – porque a alternativa é não viver. E guess what, eu gosto de viver!

 

Por Diário da Feira via Revista Marie Claire
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